Arrumações. Ando a adiá-las há tanto tempo que entretanto mais livros,
cadernos, folhas soltas e pacotes de açúcar se foram empilhando. Inicio o
processo de organização com entusiasmo. Na verdade, entusiasmo-me sempre que
tenho em mente o produto final, sei que vai ficar como eu quero, sei que o meu
perfeccionismo deixará quem por cá passar atónito. Sou minuciosa na grande
parte das tarefas que me dão gozo executar ,chego mesmo a irritar os meus
amigos mais “turbulentos” e sem paciência para o cuidado com que o faço. Gosto
de coleccionar informações, e não sabendo muito bem o que fazer com elas vou
deixando que se amontoem nos meus dossiers, na mesa e na estante do meu quarto.
A olho nu não há nada para arrumar, mas é apenas a olho nu. Hoje é o dia!
Papéis e mais papéis começam a multiplicar-se.
Arrumações! Mas o que raio me
deu para adiá-las durante tanto tempo?! Um envelope surge no meio de um livro e
com ele mergulho nas lembranças que nestes seis anos foram completando a minha
história. “De: Príncipe Encantado contigo” – que lamechice é esta que me conseguiu
arrancar uma risada? À medida que vou correndo a carta, que tão carinhosamente
me foi escrita, vou reconstruindo o percurso que me trouxe até aqui.
Pedaços de papel soltos por entre fotografias e bilhetes de teatro vão
aparecendo e produzindo uma rápida analepse. A foto do primeiro jantar da
Serenata, aquele em que todos temos cara de miúdos (alguns com sinais evidentes
de adolescência tardia), em que parecemos um cordão impossível de quebrar. Ah!
Aconteceu tanta coisa até então...
Bilhetes e mais bilhetes. De cinema, teatro, avião, autocarro, comboio de
cidades e países diferentes. Barcelona! Aquela cidade fantástica! Entramos no
museu de Arte da Catalunha praticamente de borla.
As pétalas e os pacotes de açúcar
que coleccionei não sei bem com que fim mas que acabaram por forrar a agenda de
2010, que tantas vezes fez as delícias de colegas de turma entediados nas aulas
de Património Cultural. Por entre pétalas vou seguindo viagem, em pequenos textos sentidos e
guardanapos, daqueles fininhos das pastelarias, com frases curtas mas que
produziram sorrisos em tardes de estudo, sempre assinados com o mesmo smile, o
de óculos!
“Olha para ti...ainda há princesas” 2 de Junho de 2008 Margarida. A
Mimi deixou a tampinha do iogurte (aqueles que também tinham frases carinhosas)
no meu quarto, na noite do meu aniversário.
A foto da serenata com a Mané - “que este rico par de jarras nunca se quebre!” - e não é que está intacto?! Mais pacotes de açúcar e mais uns “recados” que, desta vez, provocam uma lágrima que acaba por morrer no sorriso, os da minha mãe. Escrevia-me quando foi embora, para me lembrar que
apesar da distância o que nos une é demasiado forte para ser quebrado por
simples fronteiras.
Um outro, talvez o mais recente, escrito em inglês, numa
caligrafia imperceptível à primeira vista mas bonito. Simples e bonito. Lembro-me
de me ter surpreendido ao vê-lo a primeira vez. “Don’t run away again (...)”.
Estou aqui, bem aqui. Estou aqui onde há seis anos atrás isso era apenas um
desejo, uma ânsia e uma vontade que, até hoje, não sei justificar. Estou aqui,
onde eu queria estar. Estou aqui, onde as arrumações que ando a adiar há tanto
tempo me fizeram viajar. Estou aqui e vou guardar tudo novamente mas de forma
ordeira...os papéis e as lembranças, que tanto gosto de coleccionar.